Os acidentes por picadas de abelhas e vespas apresentam manifestações clínicas distintas, dependendo da sensibilidade do indivíduo ao veneno e do número de picadas.
O acidente mais frequente é aquele no qual um indivíduo não sensibilizado ao veneno é acometido por poucas picadas. Nesses casos, o quadro clínico limita-se à reação inflamatória local, com pápulas eritematosas, dor e calor. Na maioria das vezes, essa situação é resolvida sem a participação médica.
Outra forma de apresentação clínica é aquela na qual o indivíduo previamente sensibilizado a um ou mais componentes do veneno manifesta reação de hipersensibilidade imediata. É uma ocorrência grave, podendo ser desencadeada por apenas uma picada, e exige a intervenção imediata do médico. O quadro clínico geralmente manifesta-se por edema de glote e broncoespasmo, acompanhado de choque anafilático.
A terceira forma de apresentação desse tipo de acidente é a de múltiplas picadas. Geralmente, o acidente ocorre com abelhas do gênero Apis, quando a vítima é atacada por um enxame — em geral, no campo. Nesse caso, ocorre inoculação de grande quantidade de veneno devido às múltiplas picadas, que podem ser centenas ou milhares. Em decorrência, manifestam-se diversos sinais e sintomas, devido à ação das diferentes frações do veneno. Este tipo de acidente é raro. O quadro clínico decorre da ação de componentes como: apamina, fosfolipases A e B, peptídeos da família melitina, peptídeos degranuladores de mastócitos (MCD), além de histamina, bradicinina e substâncias de reação lenta.
Ao darem entrada no hospital, os pacientes geralmente apresentam dor generalizada, prurido intenso e agitação, podendo posteriormente evoluir para estado torporoso.
A utilização combinada de anti-histamínicos, corticosteroides e meperidina contribui para controlar a dor, o prurido e a agitação. A insuficiência respiratória pode se instalar precocemente, sendo em geral acompanhada de edema de glote, broncoespasmo e edema generalizado das vias aéreas. Essas alterações são causadas pela histamina liberada em decorrência da ação das frações do veneno, como os peptídeos da família melitina, a fosfolipase A e, principalmente, os peptídeos degranuladores de mastócitos. A utilização de anti-histamínicos, corticosteroides e adrenalina, assim como a traqueostomia e/ou a intubação endotraqueal seguida de ventilação artificial, contribui sobremaneira para controlar a insuficiência respiratória.
Hemólise intensa é frequente, acompanhada de insuficiência renal. É causada pela ação da apamina, pelos peptídeos da família melitina e pela fosfolipase A sobre a membrana eritrocitária. Os pacientes podem evoluir também com hipertensão arterial, decorrente possivelmente da hiperatividade simpática.
O tratamento de poucas picadas de abelhas ou vespas em indivíduo não sensibilizado deve ser à base de anti-histamínicos sistêmicos e corticosteroides tópicos.
Temos dado preferência à dextroclorofeniramina (Polaramine®), na dose de 2 a 6 mg por via oral, a cada seis ou oito horas. Este tratamento deve ser mantido por três a cinco dias, de acordo com a evolução clínica. Além disso, devem-se adicionar corticosteroides tópicos, isoladamente ou associados ao mentol a 0,5%.
O tratamento do indivíduo sensibilizado que evolui com broncoespasmo, edema de glote e choque anafilático é o mesmo referido para as reações anafiláticas e anafilactoides, conforme citado anteriormente neste capítulo.
O tratamento do acidente por múltiplas picadas de abelha ou vespas é sempre uma emergência médica.
Infelizmente, ainda não se dispõe de um soro específico contra esses venenos, embora já existam pesquisas em desenvolvimento. Devem ser tomadas as seguintes providências imediatamente após o paciente chegar ao hospital:
Injetar, via intramuscular, uma ampola de prometazina (Fenergan®); em crianças, utilizar 0,1 a 0,5 mg/kg de peso corporal.
Injetar, via intramuscular, uma ampola de hipnoanalgésico do tipo meperidina (Dolantina®); em crianças, aplicar 1,5 mg/kg de peso/dia.
Se estiver em estado de choque, injetar, via subcutânea, 0,5 a uma ampola de adrenalina aquosa 1:1.000. Em crianças, utilizar 0,01 mg/kg de peso corporal.
Se houver broncoespasmo com presença de sibilos, injetar, via intramuscular, uma ampola de aminofilina. Em crianças, utilizar 7 mg/kg de peso, o que corresponde a 0,3 ml/kg de peso, seguidos da instalação de cateter de oxigênio. Manter o esquema até o desaparecimento do broncoespasmo.
Cateterizar uma veia central, com posterior instalação de pressão venosa central.
Administrar, via endovenosa, 1 g de hidrocortisona (Solucortef®). Em crianças, utilizar 7 mg/kg de peso corporal. Este esquema deve ser mantido por pelo menos três a cinco dias, de acordo com a evolução clínica.
Hidratar bem o paciente com coloides e cristaloides, induzindo a seguir a diurese osmótica com manitol a 20%, na dose de 100 ml, via endovenosa, a cada seis horas para adultos, e 10 a 12,5 ml/kg de peso corporal para crianças. O manitol deverá ser mantido por pelo menos cinco dias. Deve-se tomar cuidado com possível desidratação iatrogênica. Quando o paciente apresentar anúria, o manitol está contraindicado.
Alcalinizar a urina com solução de bicarbonato de sódio na dose de 1 a 2 mEq/kg de peso/dose a cada seis horas, para prevenir as lesões renais causadas pela hemoglobinúria. O pH ácido da urina favorece as lesões renais.
Retirar os ferrões um por um, com o cuidado de evitar a inoculação do veneno neles contido. Deve-se salientar que, durante a picada, apenas um terço do veneno contido no ferrão é inoculado na vítima. O restante fica no aparelho inoculador, situado na extremidade proximal do ferrão. A retirada incorreta dos ferrões pode ser acompanhada de compressão desse aparelho. Como consequência, haverá inoculação de grande quantidade de veneno. Para retirá-los, utilizar uma lâmina de barbear ou uma pinça de Halsted aplicada rente à pele.
Sondagem vesical e nasogástrica.
Aplicação de permanganato de potássio na diluição de 1:40.000, para antissepsia das áreas picadas.
Alimentação enteral com cerca de 2.000 calorias por dia.
Manutenção dos equilíbrios hidreletrolítico e ácido-básico.
Traqueostomia e/ou intubação orotraqueal, com instalação de respiração assistida, quando indicada.
Diálise peritoneal e/ou hemodiálise, quando houver insuficiência renal aguda.
Prevenir a formação de escaras de decúbito e evitar infecções respiratórias secundárias.